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“Centro Espiritual” em que menina tomou líquido misterioso e morreu continua funcionando e recebendo crianças

Reportagem de O Olho vai até a “Tenda da Mãe Sara” lugar apontado como de tratamento espiritual. Menina que morreu frequentava o lugar.

em 06 de maio de 2016

(Foto: Orlando Berti/O Olho)

Na Tenda da Mãe Sara ninguém fala. Na região, considerada palco religioso, não se ouve nem cantos de pássaros (Foto: Orlando Berti/O Olho)

Crianças continuam frequentando e sendo “tratadas” em rituais religiosos no mesmo lugar em que a menina Francisca Alice Silva Barreto, 10 anos, teria tomado um “remédio” misterioso e entrado em estado de coma. A garota ficou internada duas semanas e terminou morrendo. A líder espiritual do lugar, conhecida por “Mãe Sara”, é acusada de rituais de magia negra.

O local fica em uma área isolada da zona rural do município maranhense de Timon (região metropolitana de Teresina). Permanece cercado de mistérios, já que só tem acesso ao templo religioso fiéis e seus mantenedores. Estranhos não são bem vindos.

A “Tenda da Mãe Sara”, como é conhecido o local, não parou as atividades depois das investigações e falecimento da garota Francisca Alice Barreto, ocorrido dia 28 de abril. A menina passou quase duas semanas internada, sempre em coma, no Hospital de Urgência de Teresina.

Segundo o Conselho Tutelar teresinense IV, a garota residia na zona Leste da capital do Piauí. Ela era levada pelos pais para ser “tratada” em rituais de purificação na “Tenda” da religiosa “Mãe Sara”, a mais de 40 quilômetros de sua casa. Ao ser internada, a menina apresentava marcas de cicatrizes de cruzes pelo corpo e estava de cabeça raspada.

Mesmo com as acusações, ainda não confirmadas, de que o lugar é um centro de magia negra, tudo estava funcionando normalmente esta semana.

A reportagem de O Olho percorreu os 22,6 quilômetros que dividem a Ponte Engenheiro Antônio Noronha (conhecida por Ponte Nova, que une Teresina e Timon) até o templo, na localidade Flor do Campo, zona rural Sudeste timonense.

Encontrou uma criança de menos de dez anos circulando pelo local. Ela estava tímida e pouco saiu da área construída do templo. Chamava atenção que a menina estava com um turbante branco na cabeça. Ela vestia uma blusa branca (quase um vestido) e uma peça azul (como se fosse um short). Não dava para notar que a menina estivesse de cabeça raspada, como as outras crianças que frequentam o lugar.

As descrições dos atos da menina que frequentava o templo coincidem com os depoimentos já relatados a conselheiros tutelares de Teresina em que crianças passavam dias, e até semanas, em rituais de “purificação” na “Tenda de Mãe Sara”, com roupas brancas e turbantes.

Os rituais, principalmente à base de medicamentos naturais e estratos oriundos da medicina popular, eram feitos no próprio lugar e as crianças levadas para serem “purificadas”.

No caso da garota Francisca Alice Barreto, a mesma recebeu medicamentos naturais. Tudo isso, segundo apurou os conselheiros tutelares de Teresina, seria também para ajudar no afastamento de “entidades” que possuiriam o espírito da menina. O estado em que o corpo da menina levou os conselheiros tutelares e a Polícia Civil do Piauí, a suspeitar de que a garota tenha sido vítima de magia negra. Não está descartado que ela também tenha sido vítima de violência sexual. Não se sabe se em algum ritual ou em ambiente doméstico.

Por enquanto tudo permanece no campo da especulação já que sequer se sabe qual foi a substância que levou à morte da menina. Sabe-se apenas que crianças frequentavam, e continuam frequentando, o templo religioso. Os exames solicitados pela Polícia Civil para dar essas respostas ainda não foram enviados por laboratórios no estado de Goiás.

Um advogado, que se diz representante jurídico da religiosa “Mãe Sara”, destacou que nada de errado foi feito no templo religioso e que nada daquilo é magia negra.

(Foto: Orlando Berti/O Olho)

Local é de difícil acesso. Reportagem encontrou uma criança de menos de dez anos circulando (Foto: Orlando Berti/O Olho)

NINGUÉM FALA. LUGAR TRANCADO E CRIANÇA CIRCULANDO

Na Tenda da Mãe Sara ninguém fala. Na região, considerada palco religioso, não se ouve nem cantos de pássaros. Não ventava e um forte sol tornava tudo ali bem calorento.

O lugar fica trancado com corrente e cadeado.

Na tarde desta quarta-feira (04/05) a reportagem do O Olho esteve na “Tenda da Mãe Sara”. Ele fica isolado em uma área pobre, sem ligação direta de energia elétrica ou água potável. A iluminação do local é feita com gambiarras advindas de um sítio localizado há 300 metros da “Tenda”.

O local é cercado por arames. Um portão de madeira de três metros de comprimento por um e meio de altura anuncia a única entrada. Mas não dá boas vindas. Estava bem trancado, com três voltas de uma pesada corrente.

De fora dá para ver os quatro compartimentos do centro religioso.

À frente há uma placa com os dizeres, em azul: “Aquele que caminha sem a lei dos orisás (sic!) se perde no caminho da vida. Pai Tupinambá”. Ao lado o desenho de uma estrela de Davi. Atrás há uma cruz, que nas pontas sustentam mais duas cruzes. Dois bancos de praça foram colocados à frente.

(Foto: Orlando Berti/O Olho)

“Tenda da Mãe Sara” fica isolada em uma área pobre, sem ligação direta de energia elétrica ou água potável (Foto: Orlando Berti/O Olho)

O lugar mais imponente é a tenda central, que tem, aproximadamente 15 metros de frente por 40 metros de fundo de área construída. À frente várias pinturas que também lembram um templo afro-brasileiro sincrético com entidades indígenas. O lugar estava muito limpo. Nota-se que o templo foi reformado recentemente, principalmente pelas telhas seminovas e pelo puxadinho que aumentou um terço o tamanho do lugar, com paredes bem rebocadas.

Atrás há uma casa, provavelmente o alojamento dos que ali frequentam e trabalham. Esse compartimento é mais simples e é coberto de palha, muito parecido com as pouco menos de dez casas no entorno de cinco quilômetros até o local religioso.

Não havia sinais de animais.

O lugar é complementado por um banheiro separado da tenda em si e também da casa. Ao lado há uma pia para lavar roupas e utensílios domésticos. Parece que serve também como casa de banho, mas sem chuveiro. A quarta parte do lugar é uma pequena tenda, que mais parece um lugar de espera e de descanso. Estava suja e com algumas lonas saindo do teto. Havia pedaços de plantas. Parece que é ali que são preparados as “garrafadas” (remédios caseiros e religiosos) receitados para parte dos fiéis que frequentam o templo. Ao Conselho Tutelar de Teresina houveram relatos que esses medicamentos são vendidos a preços que ultrapassam, em tratamento inteiro, mais de R$ 1 mil.

Quando a reportagem chegou ao local a “Tenda” estava fechada. A presença dos jornalistas foi anunciada por palmas. Só depois de um minuto e meio é que apareceu uma mulher, de aproximadamente 30 anos. Ela perguntou do que se tratava e o repórter questionou por “Mãe Sara”. “Ela está dormindo”, destacou a senhora. Era mais de 16h. Quando perguntada se a religiosa poderia receber a reportagem apareceu um senhor afrodescendente, com problema físico em uma das pernas, aproximadamente 50 anos. De longe, gesticulou para a reportagem ir embora.

Por quase cinco minutos foram feitas várias perguntas ao homem. Ele não respondeu nada. Seus únicos gestos era acenar com as mãos para que os jornalistas se retirassem. Ele gesticulou dezenas de vezes. Mas não dava um pio.

Depois da desistência de tentar realizar algum contato a reportagem continuou no lugar por quase meia hora na esperança de “Mãe Sara” falar sobre o polêmico caso. Foi aí que flagrou a criança que estava no lugar. O senhor não se importou com a movimentação da menina e pegou uma enxada, simulando arar a terra ao redor do barracão menos organizado do lugar.

(Foto: Orlando Berti/O Olho)

Para chegar-se ao templo percorre-se um verdadeiro rali (de deixar praticantes do Cerápio de queixo caído) (Foto: Orlando Berti/O Olho)

“NO MEIO DO NADA”

Um dos pontos mais curiosos da “Tenda da Mãe Sara” é que o templo religioso fica em um local ermo. Para chegar-se ao templo percorre-se um verdadeiro rali (de deixar praticantes do Cerápio de queixo caído).

A “Tenda” localiza-se a 26 quilômetros do Centro de Timon e a 27 quilômetros do Centro de Teresina.

Para chegar-se ao local é necessário transitar pela caótica BR-226 (uma das piores rodovias federais do país), com direito a apenas quatro quilômetros de asfalto. A partir do bairro Joia, há muito lamaçal, com direito a poucas casas e a quase certeza de estar-se muito longe de pessoas.

São mais 13,6 quilômetros pelos areais e lamaçais da BR-226 até chegar-se a um posto de combustíveis abandonado. Dobra-se à esquerda e um dos últimos resquícios de civilização: um comércio, com direito a porcos e muitos bois na porta. Não há placas, nada, além de uma pequena capela católica em frente. A via só passa um único veículo por vez.

Cinco quilômetros, com direito a dois morros e passagem por baixo de duas linhas de transmissão da Chesf, ainda devem ser percorridos. Seis casas, isoladas, no meio do caminho até chegar-se à primeira encruzilhada. No local uma placa, já bem antiga, com os dizeres “Sítio São Francisco Situado na Grécia”. Dobra-se à esquerda e anda-se pouco menos de 300 metros.

Uma moto, com placa de Timon (MA) marcava o sinal de que havia pessoas no lugar da “Tenda da Mãe Sara”.

Tanto a ida como a volta: encontra-se poucas pessoas. Somente um andarilho perambulava (na ida caminhando e na volta: descansando perto de uma poça de lama) pela estrada. No mais: somente um motoqueiro e um senhor bem prestativo que tinha ido recolher capim da única roça no trecho. Quase todos os outros terrenos sequer tinham cerca.

Todo esse périplo trouxe a reflexão da importância de quem procurava aquele lugar tinha em acreditar em seu potencial “milagroso” ou “espiritual”. Ele está distante dos centros urbanos e de qualquer resquício de século XXI. O mais intrigante é que o que faz pessoas que moram próximas a hospitais, a médicos e centros de saúde, procurarem um lugar tão distante e isolado? Só “Mãe Sara” pode dizer, mas optou pelo silêncio e continuação de sua saga espiritual.

“CENTRO DE CURA” E MUITO FREQUENTADO

Apesar da distância a “Tenda da Mãe Sara” é muito bem frequentada por fiéis do Piauí e Maranhão. É o que afirmam várias pessoas ouvidas pela reportagem de O Olho e que moram em localidades próximas ao lugar.

A “tenda” é conhecida por ser “centro de cura” e é procurado por pessoas com doenças graves ou tidas como sem solução pela medicina. Elas terminam passando por período de internação, rezas e submissão a tratamento alternativo com ervas com “Mãe Sara”, conhecida na região há décadas.

Alguns dos moradores das proximidades e pessoas ouvidas pela reportagem no município de Timon dividem-se em achar que o lugar é um “terreiro de macumba” (da prática de religiões afro-brasileiras) ou um lugar sagrado. Um dos moradores ouvidos diz que respeita o lugar e que depois do caso da menina que terminou falecendo a movimentação de pessoas diminuiu. “Mas todo dia continua passando pessoas para lá. Eu mesmo moro aqui faz tempo, mas nunca fui. Mas que lá da gente, dá, e muita”, revelou um simpático senhor sexagenário.

Os moradores dizem também que não há dias específicos de rituais no centro religioso mas que sempre nos sábados de Aleluia são feitos grandes festas para homenagear divindades.

“Mãe Sara” é tida como gentil com os moradores da região, bem como respeitada por ser uma líder espiritual. Um policial civil que trabalha em Timon e que ajudou a montar um mapa para a reportagem a chegar ao lugar disse que a “Tenda” tem um poder muito grande para quem a procura, por isso muita gente frequenta o lugar. “Eu mesmo já fui várias vezes e bailei muito ali”, revelou.

Mais que a curiosidade de chegar e tentar contar um pouco da história do lugar que gera uma grande polêmica no Piauí e Maranhão por conta da bebida que teria gerado a morte da menina Francisca Alice Barreto foi poder ir embora. É mais que fato que o lugar mete medo. Talvez fruto de uma ignorância do próprio jornalista sobre lugares isolados em que se praticam atos religiosos ligados à natureza.

(Foto: Orlando Berti/O Olho)

A “tenda” é conhecida por ser “centro de cura” e é procurado por pessoas com doenças graves ou tidas como sem solução pela medicina (Foto: Orlando Berti/O Olho)

Fonte: Orlando Berti/O Olho

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